Fonte: Valor Econômico
O pacote cambial focado no mercado de derivativos causou surpresa e desorientação no sistema financeiro. E a decisão do Ministério da Fazenda, anunciada ontem, de adiar para 5 de outubro o recolhimento do IOF sobre as posições vendidas em derivativos cambiais era o mínimo que o governo poderia fazer para permitir que o mercado tenha tecnicamente condições de cumprir as novas determinações. A postergação do recolhimento, embora a cobrança tenha entrado em vigor ontem, foi um pleito feito ao governo por instituições financeiras em reunião na quarta com integrantes da equipe econômica.
BM&FBovespa e Febraban, a federação dos bancos, lideram a interlocução. Na quarta, deixaram em Brasília lista com uma série de dúvidas sobre a abrangência, objetividade e operacionalidade da medida e ontem continuaram em contato permanente. As fontes do mercado financeiro consultadas pelo Valor são unânimes em afirmar que existem dificuldades técnicas e jurídicas na implementação do pacote cambial que tem implicações muito relevantes sobre as operações do sistema.
O pacote cambial surpreendeu o mercado imediatamente por três motivos: suas intrincadas implicações jurídicas; a dificuldade de implementação das regras (apuração de posições vendidas líquidas e recolhimento do IOF); e a indicação do Conselho Monetário Nacional com poderes de ‘intervenção’ no mercado de derivativos cambiais. Um interlocutor considera que a cobrança de IOF de 1% – que pode ir a 25% – sobre a variação da exposição líquida vendida em contratos derivativos cambiais acima de US$ 10 milhões é uma grande “palmada” no mercado.
Representantes do mercado financeiro que se reuniram com autoridades na quarta-feira à tarde não identificavam claramente ao menos qual é o objeto do tributo anunciado, dada a redação “muito genérica do texto” publicado no Diário Oficial da União. “O texto abre espaço para múltiplas interpretações, o que pode levar a incontáveis batalhas jurídicas.”
Outra fonte considera “plausível” a postergação do recolhimento do IOF para outubro, lembrando que “uma vez que foi o governo que escolheu alguém para tributar e alguém para recolher o imposto, não se pode imaginar que essa entidade ‘recolhedora’ esteja pronta para tal operação ou atividade”.
Essa fonte bancária também chama atenção para a falta de rigor de trechos do texto da MP 539. “A linguagem não é em nada rigorosa quando se refere ao registro das operações. Adicionalmente, é preciso considerar que a MP faz uma ‘ginástica jurídica’. Cria um arcabouço jurídico e institucional para um contrato privado. E isso pode, inclusive, levar a uma discussão sobre a constitucionalidade das medidas lançadas pelo governo. Operacionalmente, o mercado de derivativos é antigo. Mas juridicamente e institucionalmente esse mercado é coisa nova.”
Preocupa particularmente o sistema financeiro, a tributação das posições líquidas vendidas dos derivativos na fonte. “Tributação na fonte precisa ser muito clara sobre quem são as partes envolvidas. Temos sempre duas partes: o contribuinte e o responsável pela tributação. Nesse caso, a BM&FBovespa e a Cetip. Qualquer dúvida sobre a ‘legitimidade’ dessas partes gera insegurança nas relações comerciais, o que pode levar o responsável tributário a resistir a operar. Um impasse pode levar ao funcionamento precário dos mercados que são formadores de preços dos ativos”, comenta fonte envolvida nas discussões das medidas.
A intervenção do governo no câmbio, desta vez em derivativos, é considerada por um dos executivos “uma medida de interesse de Estado, mas frágil em apoios.”
“As medidas têm pelo menos quatro poderosos ‘adversários’ e não criou nenhum sócio para o governo na empreitada. Isso não quer dizer que as medidas serão descartadas, mas que os agentes financeiros privados precisam ter segurança jurídica para cumprir as determinações do governo”, avalia a fonte que descreve os potenciais ‘adversários’ do pacote cambial:
Um dos “adversários” das medidas reúne instituições e profissionais que vivem basicamente desse tipo de operação alavancada e que não têm outra fonte de receita. Um segundo “adversário” é representado pela própria BM&FBovespa, uma companhia aberta, uma vez que a perspectiva é de perda de receita, o que repercute na sua posição junto a seus pares no mercado internacional e aos seus acionistas.
Um terceiro “adversário” é o “titular do direito” de negociação. Como os hedge funds que operam por meio de corretoras – as intermediárias. Um quarto “adversário” é representado por um guarda-chuva de especialistas que discutem a constitucionalidade.
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