Em 2010, dois de cada dez produtos industriais consumidos no Brasil foram importados. Há sete anos, no primeiro ano do governo Lula, essa fatia era pouco superior a um, segundo cálculos da LCA Consultores. O volume de importações cresceu 37% no ano passado em relação a 2009, um ritmo quase quatro vezes mais rápido que a expansão de 10,5% da produção industrial na mesma comparação.
O crescimento da indústria foi o mais elevado desde os 10,9% de 1986, mas o resultado exuberante do conjunto mascara a expressiva queda de dinamismo ocorrida a partir de abril, refletindo a perda de espaço para os produtos fabricados no exterior e, em menor medida, a demora de parte das empresas para ajustar os estoques.Nesse cenário de explosão de importações e ritmo mais morno da produção local, a participação dos produtos estrangeiros no consumo interno de bens industriais atingiu o recorde de 20,1% em 2010, mais que os 16,3% de 2009 e os 17,3% de 2008, de acordo com a LCA. No quarto trimestre, a fatia dos importados alcançou 21,4%.
No último mês de 2010, a produção recuou 0,7% sobre novembro, feito o ajuste sazonal, um número muito diferente das projeções dos analistas que esperavam uma expansão próxima a 1%. O desempenho foi decepcionante em todos os setores da indústria nessa base de comparação: a fabricação de bens de capital recuou 0,5%, a de bens duráveis, 0,6%, e a de sem e não duráveis, 0,4%, enquanto a de intermediários ficou estável.
O volume importado, que crescia a um ritmo bem mais forte que o da produção em 2008, teve uma queda expressiva em 2009, de 17%, um reflexo do desaquecimento da economia num quadro de crise global. Foi um tombo superior aos 7,4% registrados pela produção. No ano passado, porém, com a retomada da atividade econômica e com a ajuda do câmbio valorizado, as importações voltaram a ganhar terreno, avançando muito mais rapidamente que a indústria local (ver gráfico). As compras externas de bens intermediários (insumos e matérias-primas para a indústria) aumentaram 39,7%, bem mais que a alta da produção local desses produtos, de 11,5%.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, acredita que o forte aumento das importações é a principal explicação para o desempenho mais fraco da indústria, que não consegue superar o patamar atingido no pré-crise. Ele destaca, por exemplo, o descolamento entre a produção industrial e o vigor das vendas no varejo. A indústria está apenas 2,8% acima do nível de três anos atrás, enquanto o comércio varejista ampliado (que inclui vendas de veículos e de material da construção) se encontra num patamar quase 30% maior. Segundo Montero, os resultados das contas nacionais corroboram a ideia de que os importados têm preenchido essa lacuna, mostrando o aumento da fatia dos importados.
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também acredita que as importações estão tomando mercado da produção local. Ele observa que a indústria está em estagnação há meses, ao mesmo tempo em que há um forte aumento de compras externas. Para Gonçalves, isso poderia tanto refletir que a produção não consegue crescer mais por limitações físicas como o fato de que as importações estão "roubando" parte da demanda, movimento propiciado pelo dólar barato.
Como o nível de utilização de capacidade instalada e o da própria produção estão abaixo do patamar pré-crise, tudo indica que as compras externas têm ocupado espaço da indústria local, afirma ele, ainda mais num quadro de provável aumento da capacidade produtiva, dada a maturação de investimentos.
Os níveis elevados de estoques também seriam um dos motivos para explicar a fraqueza da indústria a partir de abril, na avaliação de alguns analistas. Segundo o gerente da coordenação de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Macedo, alguns setores formaram grandes estoques para aproveitar o período de desoneração de tributos que vigorou até os primeiros meses do ano, o que também contribuiu para a acomodação da indústria no segundo semestre.
A economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara, vê com ceticismo o papel dos estoques na perda de força da indústria nos últimos meses. "Falar em ajuste de estoques por quase nove meses é complicado", afirma ela, que também vê mais evidências de perda de espaço para o produto importado. Como Gonçalves, ela lembra que a utilização de capacidade instalada está em níveis elevados, mas num patamar inferior ao das máximas históricas.
O economista Thovan Caetano, da LCA, diz que o câmbio tem dificultado a situação de alguns setores da indústria, citando os de material eletrônico e de comunicações e o de metalurgia básica (onde se encontram os produtos siderúrgicos). A produção industrial de material eletrônico e comunicações cresceu 3% em 2010, enquanto as importações desses produtos cresceram 38%. No setor, a fatia dos importados no consumo interno pulou de 45,3% em 2009 para 53,1% no ano passado.
No caso da metalurgia básica, a produção local cresceu 17%, um ritmo expressivo, mas muito inferior aos 75% registrado pelas compras externas. Com isso, a participação dos importados cresceu de 16,8% para 21,6%. (Colaborou Rafael Rosas, do Rio)
Fonte: Valor On Line
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