Fonte: Valor Econômico
O câmbio brasileiro deveria estar hoje na casa de R$ 2,90 para atingir a taxa "ótima" real de longo prazo, definida como aquela que induz à alocação de recursos para os setores de maior produtividade da economia e leva ao desenvolvimento econômico, segundo estudo dos economistas André Nassif, do BNDES e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carmem Feijó, da UFF, e Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá. O modelo desenvolvido pelos três indica que, no período de 1999 a 2010, os termos de troca (a relação entre preços de exportação e importação) e o diferencial entre os juros internos e externos são as variáveis mais importantes para explicar a tendência de sobrevalorização da taxa de câmbio.
Os resultados do estudo mostram duas conclusões básicas: "Primeiro, a moeda brasileira ficou persistentemente sobrevalorizada por quase todo o período analisado; segundo, a taxa 'ótima' real de longo prazo foi atingida em 2004″, ressaltam os economistas. Em março de 2011, quando a cotação média do dólar ficou em R$ 1,659, a taxa nominal deveria estar em R$ 2,91 para voltar ao nível "ótimo".
Segundo Nassif, o índice de taxa real de câmbio de março deste ano aponta uma valorização de 79% em relação ao nível "ótimo" que teria sido atingido em 2004 – ano em que, diz ele, a economia brasileira registrou uma combinação dos melhores indicadores macroeconômicos do período analisado. Nassif ressalta falar em caráter pessoal, e não em nome do banco.
No artigo, os economistas adotam uma "abordagem estruturalista-keynesiana" para verificar quais fatores definem a taxa real de câmbio. Para Nassif, a tendência de longo prazo é mais bem explicada não apenas por forças estruturais, mas também por políticas de curto prazo. Desse modo, no modelo entram tanto fatores estruturais, como os termos de troca e o PIB per capita em dólares, como aspectos de curto prazo, caso do diferencial de juros básicos brasileiros e americanos e volume de reservas internacionais.
Os resultados evidenciam que a tendência de sobrevalorização pelos termos de troca, que têm melhorado significativamente por causa da trajetória de alta dos preços de commodities, produtos com grande peso na pauta de exportações brasileiras, e pelo elevado diferencial de juros.
O problema do real forte é que ele pode comprometer o desenvolvimento, segundo Nassif, citando estudos recentes que apontam também a importância de alguma depreciação do câmbio. Num artigo de 2008, Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, mostra evidência empírica de que a sobrevalorização prejudica o crescimento, mas também que uma desvalorização do câmbio o beneficia. Nassif observa ainda que John Williamson, conhecido como pai do "Consenso de Washington", sugere que a melhor política para maximizar o crescimento "parece ser uma pequena desvalorização".
Depois de desenvolver o modelo sobre os determinantes do câmbio de longo prazo e de chegar a um índice de sobrevalorização do real, os economistas buscam a taxa de câmbio "ótima". Essa taxa, segundo os autores, é a capaz de "realocar os recursos produtivos em direção aos setores de maior produtividade", evitando os riscos de desindustrialização precoce e levando ao desenvolvimento.
Para chegar a ela, o primeiro passo foi buscar um período entre 1999 e 2010 em que o país registrou uma combinação favorável de indicadores macroeconômicos, como crescimento forte do PIB e solidez das contas externas. Para os autores, isso ocorreu em 2004, quando a economia cresceu 5,7% e houve superávit de 1,6% do PIB da conta corrente (resultado das transações comerciais, de serviços e rendas com o exterior). "Além disso, naquele ano a taxa estava algo como 5% desvalorizada em relação à tendência real do longo prazo, o que vai ao encontro da recomendação recente como melhor política para maximizar o crescimento, como a feita por Williamson."
Em 2004, o índice real de longo prazo apontava para um número quase 80% acima do registrado em março deste ano. Ele ressalta que a taxa "ótima" não se confunde com taxas de câmbio reais de equilíbrio, como as calculadas com base na paridade do poder de compra ou que levam em conta algum ano-base como referência.
Mas R$ 2,91 não é uma taxa muito desvalorizada? Para ele, um ponto é que recentemente se perdeu a referência no Brasil de qual seria uma taxa mais adequada. O Goldman Sachs, exemplifica ele, trabalha com um número de R$ 2,70. Esse números é uma estimativa mensal da taxa de equilíbrio nominal contra o dólar, que leva em conta termos de troca, diferenciais de ganhos de produtividade e a diferença entre a inflação interna e externa, como explica Alberto Ramos, co-diretor para a América Latina do banco.
Nassif diz que a taxa "ótima" não deve ser buscada num curto espaço de tempo. Ele acredita que as autoridades precisam, primeiro, atuar para impedir a tendência de sobrevalorização do câmbio e, depois, ter uma meta para a taxa "ótima", ainda que não explicitamente, no médio e longo prazo.
Para isso, ele considera importante uma combinação de medidas. Primeiro, continuar com a acumulação de reservas, ainda que o Brasil tenha limitações fiscais para isso, dado o custo por causa da diferença entre juros externos e internos. Também é importante adotar políticas industriais e tecnológicas que contribuam para neutralizar o impacto da melhora dos termos de troca provocada pela disparada das commodities.
Ele defende ainda a flexibilização do regime de metas, com um prazo mais longo para o cumprimento do alvo – de 18 meses, por exemplo, e não mais no ano-calendário, o que pode ajudar a abrir espaço para uma redução dos juros. "Fazer ajuste fiscal, com despesas correntes crescendo menos que o PIB, é importante, mas não é suficiente para reduzir os juros, como defendem alguns economistas ortodoxos, que falam como se houvesse um descontrole das contas públicas." Por fim, ele acha que o Brasil pode ter de adotar controles de capitais mais rígidos, como a quarentena, para deter o fluxo de recursos estrangeiros.
Fonte: revistacomexbb